Sábado, 12 de Julho de 2008
Festival Internacional de Teatro de Blumeanau
Galette Surprise et son coulis de fruits rouges.
De Laura Fernandez e Direção de Diego Brienza.
La Mano Marca – Buenos Aires Argentina. **********************************************************************************
Inicialmente gostaria de não esquecer de comentar dois pontos mais operacionais que já havia comentado com Diego ontem. O primeiro foi a ausência de criação, por meio de som e luz do outro espaço. O plano da sala do restaurante, seu ambiente, seus barulhos característicos que poderiam ir do efeito de realidade de uma sala normal de restaurante até o trágico desfecho quando já estão todos morrendo aos poucos. Trata-se de ajustar melhor o fluxo do atores nesse vai e vem entre sala e cozinha que acaba dando a base de realidade para que a situação possa evoluir para outro plano, para além do real. O segundo foi a grata e inusitada participação especial da atriz de Campinas. Apesar da surpresa que nos gera uma certa estranheza o estado dela pela procura do banheiro, naquela altura dos acontecimentos, não adensa o que a situação promete. Dali para diante, a procura pelo toalete deveria ser imperiosa, mais intensa, com a possibilidade de imaginarmos inclusive outras pessoas circulando a procura de melhora diante da contaminação. Este é o segundo texto de Laura Fernandez nesse Festival. Assim como o primeiro o título da obra é bastante sugestivo e apetitoso, Galette Surprise et son coulis de fruits rouges. Galette e Crepes são dois desses saborosos pratos realizados rapidamente, pela cozinha francesa. Fez mais ou menos à volta ao mundo e não há lugar que não haja uma creperia. Os dois pratos são feitos a base de farinha. Um doce, o crepe e o outro salgado, a galette. Aqui galette pode ser o prato e também o nome do restaurante. Como aquele imortalizado pela tela impressionista de Renoir, Le Moulin de la Galette que irradia a alegria preguiçosa de uma tarde de domingo daquelas figuras despreocupadas e descontraídas. O caso é que há uma surpresa nesse prato ou nesse restaurante. E mais do que isso, a galette está acompanhada de frutos vermelhos, uma saca ou uma sacola de frutos vermelhos... Seriam eles comprometedores? É servido aos espectadores, antes da entrada um pastelzinho (las empanadas) que provavelmente faz menção às especialidades servidas pelo restaurante. Entramos e nos defrontamos com a cozinha do dito restaurante. Uma natureza morta! A cozinha é por excelência um local de experiências. Talvez sejam as cozinhas as últimas lembranças de um local alquímico. O local da transformação. Não seria ela uma metáfora do próprio teatro, um local de transformação do espírito? A alquimia tinha três objetivos básicos: a transformação de metais inferiores em ouro; a procura pelo elixir da longa vida e a criação de vida artificial. Nesta cozinha está O Cozinheiro, caracterizado meio como que o falso Sheik Ahmed de Rodolfo Valentino, com a cabeça coberta, a se proteger, e seu uniforme branco característico de cozinheiro, o engenheiro da alquimia. O detentor das receitas. O mediador entre aquilo que entra cru e sai cozido. O senhor dos efeitos e dos segredos dos pratos. Aos poucos aprendemos que Ele, curiosamente, assim como o Sheik de Valentino, também é um Estrangeiro no país exótico onde vive, ele é um Cozinheiro francês. Normalmente, o estrangeiro é sempre motivo de riso e pilhéria. Seu sotaque e seu desconhecimento da cultura local, normalmente o envolve em confusões e mal-entendidos. Seria o caso aqui também? Também, por ser estrangeiro atrai a atenção e desfruta da primazia de ser o novo, o diferente, fonte de exotismo atrativa. E dessa forma parece ter despertado a atenção e a paixão na Moça (Garçonete), que na verdade é desejada pelo Moço (Garçon) que por sua vez é a paixão da Noiva (Gerente). Estamos quase lá “O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante” de Peter Greenaway. Estamos quase lá, no universo do filme citado pela peça ou aludido pela encenação, visto que sobre a mesa de preparação dos inocentes crepes e galettes, apesar de não dar para ver muito bem, ao final do espetáculo, é revelado o desenho de um corpo disfarçado por frutas e alfaces. Estamos quase lá no canibalismo do filme. Eu disse quase... Apesar desse quarteto estar enfeitiçado pelas paixões e pelo amor isso só se realiza num plano onírico, ou do desejo sonhado, desenhado pelos flashs da luz vermelha. Entretanto, o único que parece não se manifestar no extravasamento de sua paixão é o próprio Sheik, o Cozinheiro. Enquanto essas declarações de amor vão se sucedendo no ambiente dessa cozinha subterrânea, no fundo do sonho, vai transcorrendo no alto, na sala do restaurante o pesadelo. Uma espécie de contaminação geral dos clientes, uma sorte de epidemia, uma peste que se abate sobre eles, uma contaminação geral de todos por uma intoxicação advinda dos pratos ali preparados. Todos os clientes são abatidos, até aqueles que não comeram e que só beberam, um efeito alquímico destruidor, de vasta proporção, que os arrasa. E não há saída, pois se eles regurgitam logo se contaminam pelo retorno de seus próprios vômitos, o que acaba reforçando a impossibilidade de salvação e só aumenta a contaminação geral. A maneira dos Rinocerontes de Ionesco, a população dos clientes do restaurante vai se transformando nessa massa putrefata de corpos abatidos pelo mortífero efeito do veneno. Assim como nós que também provamos no início as empanadas... Do quarteto amoroso e apaixonado quem seria o assassino? Todos suspeitam de todos? Não há acusações. Quem teria motivos para envenenar toda essa população? Com qual a motivação? Vingança? Nosso Sheik, cozinheiro insatisfeito? A única coisa a fazer é se salvar abandonar o barco, fugir. E aí os planos de fuga são esboçados. Ao partirem, continuarão, assim, de lugar em lugar brincando de assassinos? Aproveitando-se da falsa aparência de uma inocente creperia para contaminar a todos com seu jogo mortífero? Parece haver algo de podre na Sala de Jantar e de Doente, muito doente na cozinha do Galette-Argentina.
Walter Lima Torres Neto
Ator e Diretor de Teatro - Professor de Estudos Teatrais na UFPR, Curitiba, Paraná, Brasil.
jueves, 31 de julio de 2008
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